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segunda-feira, 8 de junho de 2015

Entrevistando uma Crossdresser - Sandra M. Lopes

Vamos fazer uma visita ao outro lado do Oceano. Vamos à Portugal, neste momento de hoje.

Iremos conhecer agora, Sandra M. Lopes, uma Crossdresser que vive em Lisboa e que eu pude conhecer por intermédio de uma outra amiga, Sttefanne Camp.



A Sandra, é a moderadora de um fórum, o Espartilho, que é dedicado ao universo crossdressing, transformismo e transsexualidade. Vamos à entrevista.


1) Diga-me seu nome, idade atual e cidade onde reside?

R: Sandra M. Lopes, 45 anos (quase 46!) e resido perto de Lisboa, Portugal.

2) Qual é a sua profissão atualmente além de Crossdresser?

R: Crossdresser não é minha profissão :-)

Até recentemente, fui consultora em tecnologias de informação (informática) mas neste momento estou a preparar uma mudança de carreira, tentando terminar o doutoramento para que possa dar aulas em universidades e fazer investigação científica em inteligência artificial e mundos virtuais...

3) Quando descobriste que era Crossdresser e como tudo começou?

R: Ui! Pergunta difícil! Tudo começou um dia em que estava em casa de uma minha prima, quando tinha talvez 25 anos. Nessa altura ainda vivia com os meus pais, que estavam a pintar a casa enquanto estavam de férias no sul de Portugal, em conjunto com a minha prima. Eu já não tinha mais férias pelo que fiquei em casa dela. A dada altura tive um impulso fortíssimo e incontrolável de vestir a lingerie e roupa dela, e assim fiz, apesar dela ser muito mais pequena do que eu e praticamente nada me servisse. Foi inicialmente uma sensação de êxtase puro como nunca sentira antes. Mas imediatamente de seguida veio a ideia de que eu deveria estar louca e tinha de ser internada, pois esse comportamento não era «normal»!

Nem sabia ainda que existia a palavra «crossdresser». Eu pensava mesmo que tinha uma doença mental grave!

Felizmente nessa altura já existia Internet, pelo que tentei ler o máximo que pude sobre o assunto, e fiquei pasmada ao aprender que o crossdressing era frequente, eu não era um caso isolado, e não era uma «doença mental», mas também não podia ser «curada». Uns anos antes disso tinha lido algumas histórias eróticas sobre transexuais (também não sabia na altura o que isso era) e achei-as muito excitantes. Mas não sabia bem a diferença entre transexualidade e crossdressing. Foi só depois desse estranho episódio que aprendi a diferença...

Uns meses mais tarde, estava já a comprar alguma roupinha para mim, via Internet, claro está. Nessa altura era frequente ter pequenas mini-férias ao longo do ano, que passava sozinha, e podia vestir-me nessas ocasiões. Sabendo que, afinal de contas, não se tratava de nada de «anormal» nem «doentio», passei a aprender mais sobre o assunto, e a praticar mais e mais a maquilhagem, pois um dia gostaria de sair vestida assim em público e passar despercebida. Foram precisas quase duas décadas até que isso acontecesse!

4) Você possui amizades no mundo Crossdresser? Como fazer amizades neste universo?

R: Considero que tenho algumas muito boas amizades, sim. Praticamente todas elas foram feitas através da Internet. As minhas amigas mais antigas datam de há mais de dez anos atrás, e correspondemo-nos regularmente; uma está no Canadá, outra nos Estados Unidos, e nunca tivémos oportunidade de nos encontrar fisicamente. São ambas casadas e com filhos e mais velhas que eu. Mas entretanto tenho tido muito mais oportunidades de fazer amizades novas, muitas das quais feitas em eventos onde participam crossdressers, e onde podemos conversar «ao vivo e a cores» — depois mantemos o contacto regular pela Internet, onde também combinamos novos eventos.

5) Quais são as dificuldades enfrentadas por uma Crossdresser?

R: A principal dificuldade, penso eu, é a auto-aceitação da condição que temos. Isto a início faz imensa confusão, e a minha reacção foi típica: pensar que somos doentes mentais, ou profundamente perversas. Não é fácil encontrar logo informação a explicar o que isto é; não é o género de coisa que possamos perguntar à família ou aos amigos, e provavelmente a início teremos vergonha de perguntar a um médico!

Graças à Internet, felizmente, é hoje em dia muito fácil encontrar imensa informação sobre o assunto, mesmo que a maioria esteja em inglês.

Uma vez ultrapassada a barreira da auto-aceitação, a segunda maior dificuldade é: onde encontrar o que vestir? As mulheres genéticas são ensinadas desde criança a saber o que vestir, a tirar medidas ao corpo (conheço crossdressers que aos 60 anos nem sequer sabiam usar uma fita métruca), a conhecer o tipo de roupa que lhes fica bem, já sem falar na questão da maquilhagem, do cabelo, etc. Só na questão do aspecto físico há uma tonelada de coisas a aprender, e não é fácil encontrar quem nos «ensine», pelo que temos de confiar no que lemos online, e fazer experiências. A maior parte de nós pode ficar apaixonada por um vestido lindíssimo que encontrou online, só para perceber depois que o vestido pode servir à modelo na foto do catálogo online, mas em nós fica-nos pessimamente! Há, pois, uma fase de experimentação, qie, se não conhecermos nenhuma outra crossdresser, pode-nos ficar cara!

A terceira dificuldade tem a ver com as saídas. Muitas crossdressers nunca «saiem do armário» a vida toda, porque têm pânico de sair à rua. Mas também podem não ter com quem sair. Há, pois, um período complicado em que se sente a necessidade de se estar em público, mas não se sabe muito bem o que fazer. Correm-se riscos desnecessários, desde ser vista pelos vizinhos, a estar num espaço público (como a rua) em que se podem encontrar não só pessoas conhecidas, como, pior que isso, pessoas transfobas que nos podem atacar fisicamente. O risco é bem real!

A quarta dificuldade está no secretismo do crossdressing. A partir de que altura é que se pode contar o que fazemos (sabendo explicar bem as razões) a familiares ou amigos? Se somos casadas, é quase impossível manter uma «vida dupla» sem que o nosso cônjuge desconfie que se passa alguma coisa connosco. A quantidade de truques que já ouvi de amigas crossdressers para evitar contar tudo à família é verdadeiramente notável, e a criatividade com que resolvem os seus problemas e as suas limitações é extraordinária. Mas mais cedo ou mais tarde há o risco de descoberta, e isso implica, por vezes, um conflito muito complicado a nível familiar e das amizades intolerantes que se recusam a compreender o que fazemos e porque o fazemos.

E diria que a quinta dificuldade tem a ver com o que alguns sociólogos chamam a «carreira da vida». Uma vez ultrapassadas as outras barreiras, que fazer do crossdressing? Muitas crossdressers procuram desesperadamente um equilíbrio; outras encontram-no facilmente. Cada caso é um caso, e haverão muitos casos que nunca ficarão satisfeitas com a situação em que estão. Querem mais, sempre mais. Ora isto pode, em alguns casos, gerar um comportamento obsessivo ou mesmo causar depressão (se não se conseguir explorar o crossdressing com a liberdade desejada, como acontece com muitas crossdressers com uma vida familiar e social muito activa).


6) Qual seria o seu maior sonho?

R: Para já, curar a depressão :-)

Depois disso, eu não gosto de sonhos irrealistas. A minha psicóloga está sempre a perguntar-me isso. Eu descrevo-lhe a situação utópica: ter apoio financeiro do Estado português para passar três meses num centro hospitalar de repouso, talvez numas termas, enquanto trato das cirurgias todas para me tornar numa mulher que não cause repugnância a quem me vir Smile E depois, como seria impossível ter um trabalho como transexual, teria de ter um subsídio estatal para sobreviver até ao resto da minha vida. Quando conto isto à minha psicóloga, ela ri-se, porque tal utopia é obviamente impossível. Portanto, é um sonho completamente irrealista!

Prefiro, isso sim, sonhar apenas com o dia-a-dia: pensar que vestido vou levar no próximo encontro, por exemplo Smile Sonhar para além disso é sempre irrealista, e depois só causa decepção e desapontamento por nunca se ir concretizar.


7) Que palavras você daria para quem está começando (como eu) e o que você pode fazer para motivar novas Crossdresseres?

R: Eu diria que o melhor para quem está a começar, nos dias que correm, é mesmo procurar um grupo de crossdressers que realizem encontros regulares na nossa área de residência, ou suficientemente perto dela para nos podermos deslocar com facilidade. Fica tudo muito mais fácil quando podemos tirar as nossas dúvidas e trocar dicas com quem já passou pelo mesmo e que nos pode aconselhar a o que fazer. Em muitos desses grupos, por exemplo, é fácil encontrar quem nos empreste roupa, e podemos ver o que nos fica bem. Também nos ensinarão a comportarmo-nos de forma mais feminina para passarmos despercebidas em público. É muito mais fácil assim — e muito mais rápido e mais barato! — do que a «tentativa e erro» de quem está isolada da comunidade e que tenta fazer tudo sozinha.

Pense assim: pouca gente consegue aprender a jogar ténis, a nadar, ou mesmo a dançar, sozinha. É muito mais fácil encontrar quem nos ensine e ir a locais onde se podem praticar esses desportos e obter conselhos de quem os pratica há muito tempo. Vejo a actividade de crossdressing da mesma forma! Em grupo é tudo mais fácil :-)

De resto, a minha maior motivação é observar como surgem cada vez mais pessoas que se revelam como crossdressers, ou mesmo como transexuais, e que têm aceitação pública, tal como a Caitlyn Jenner nos Estados Unidos, ou a Laerte no Brasil. São essas as pessoas que me motivam, pela sua coragem, mas também pela ajuda preciosa que nos dão ao gerarem mais aceitação do crossdressing e da transexualidade no mundo tudo. A minha própria motivação passa igualmente por um dia também poder servir de exemplo para outras pessoas. E já se nota que a camada mais jovem da população é substancialmente mais tolerante e mais informada. Isso é bom sinal!

Bem, fico muito feliz em poder ter entrevistado você, Sandra, e poder contar com sua amizade. Temos apenas um oceano nos separando, mas o Crossdressing nos unindo. Podes contar comigo com o que precisares. E, quem sabe, a gente se conhece algum dia? Um super abraço para você. Muito obrigada!

2 comentários:

  1. Olá boa noite.
    Estou a começar a minha caminhada e acabei por me rever em muito do que li. Vivo perto de Lisboa, estou só, não conheço outras CD´s, nem locais de encontro, por essas razões também comigo é difícil.
    Obrigado pelas informações
    Beijinhos
    Susana

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